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O Diccionario Panhispánico de Dudas (DPD) e sua relação com o Diccionario de la Lengua Española (DRAE)

Daniela Ioná Brianezi
Universidade de São Paulo – FFLCH USP

Resumo
No presente trabalho analisamos, sob a ótica da Análise do Discurso (AD) e da História das Ideias Linguísticas (HIL), a relação entre o Diccionario Panhispánico de Dudas (DPD), publicado em 2005 pela Real Academia Española (RAE) e a Asociación de Academias de la Lengua Española (ASALE) e o Diccionario de la Lengua Española (DRAE) publicado pela RAE, cuja 22ª edição é de 2001. Com uma nova edição que deve ser publicada em 2014, o DRAE já apresenta, no site da ERA, modificações previstas para tal edição. Consideramos os dicionários como «um espaço de memória discursiva» (NUNES, 2006:24) e a partir disso analisamos os enunciados contidos na edição atual do DRAE e os de sua nova edição com relação aos que também aparecem no DPD. É possível, deste modo, perceber a influência que os dicionários podem exercer na regulação da língua espanhola.
Palavras-chave: Análise do Discurso; História das Ideias Linguísticas; Dicionário, memória discursiva, língua espanhola.

Neste trabalho vamos analisar a relação que o Diccionario Panhispánico de Dudas (doravante DPD) trava com o Diccionario de la Lengua Española (doravante DRAE) sob a ótica da Análise do Discurso (AD) e da História das Ideias Linguísticas (HIL). Nessa linha, consideramos o dicionário como instrumento linguístico (AUROUX, 1992) e, como afirma Orlandi (2001), ver o dicionário «como parte da relação com a sociedade e a história» transforma esse instrumento em objeto vivo, parte de «um processo em que os sujeitos se constituem em suas relações e tomam parte na construção histórica das formações sociais com suas instituições e sua ordem cotidiana» (ORLANDI, 2001:8). Lembramos que o presente trabalho faz parte de nossa pesquisa de mestrado em desenvolvimento, na qual analisamos aspectos das seções iniciais do DPD e um recorte de sua nomenclatura
correspondente aos verbetes da letra L.

O DRAE teve sua primeira edição em 1780 e hoje está em sua 22ª edição (de 2001), com previsão de uma nova edição para 2014. É um dos dicionários com maior evidência na língua espanhola e é usado tanto por falantes nativos da língua na Espanha e na América hispano falante, quanto por falantes da língua espanhola como língua estrangeira. Construiu um papel de autoridade normativa legitimado pela instituição que o publica, a RAE. Sua versão impressa está integralmente disponível online (www.rae.es), o que facilita e aumenta sua consulta. Nesta versão online do DRAE é possível consultar os verbetes da 22ª edição, mas, além disso, é possível visualizar as mudanças que estão sendo preparadas para sua 23ª edição. Tais mudanças estão sendo disponibilizadas no site do dicionário desde março de 2003 pela RAE, que noticia tais publicações em seu próprio site, na seção «¿Cómo se actualiza?».

Em contraste com a longevidade do DRAE temos o DPD, primeiro dicionário de dúvidas publicado pela Real Academia Española (RAE) e Asociación de Academias de la Lengua Española (ASALE), de 2005. Assim como o DRAE, tem sua versão impressa disponível integralmente online no site da RAE. Seu objetivo, como mostrado na seção «Qué es el Diccionario Panhispánico de Dudas», é dar «respuesta a las dudas más habituales» (DPD:XIII), que podem ser de caráter fonológico, ortográfico, morfológico, sintático e lexicossemântico.

Percebemos uma forte relação entre o DRAE e o DPD com relação à regulação da língua e temos como primeiro indício desta o fato de que, apesar de não serem os únicos dicionários publicados pela RAE e pela ASALE, são os únicos disponíveis online e no site da RAE, como pode ser visto na figura abaixo. Esta relação se aprofunda visto que, apesar de ser publicado em conjunto com a ASALE, associação que engloba também a RAE, não é no site desta instituição onde os consulentes encontram o DPD para consulta, mas no site da RAE, demonstrando uma tendência percebida por nós, não somente aqui: que a RAE exerce uma preponderância no âmbito da língua espanhola.

Um segundo aspecto que nos parece bastante relevante nesta relação refere-se aos enunciados definidores de vocábulos da nomenclatura do DPD. Como dicionário de dúvidas, o DPD nem sempre traz nos vocábulos os enunciados definidores nos moldes de um dicionário geral, como o DRAE. Em suas seções iniciais explicita-se que há verbetes de dois tipos neste dicionário, os «temáticos» e os «no temáticos» (DPD: XVII).

Os temáticos se referem a assuntos geralmente gramaticais, não vocábulos, e por isso não incluem enunciados definidores. Os verbetes não temáticos se referem a «palabras concretas» (DPD: XVII) e sua entrada pode ou não apresentar os enunciados definidores, conforme observado por nós. Segundo a seção «signos» (DPD: XXXV) do DPD, o símbolo de aspas simples (»), «enmarca las definiciones» nos enunciados dos verbetes apontando que são citados de alguma fonte, mas esta não é indicada juntamente com seu símbolo ou em nenhuma das outras seções que antecedem a nomenclatura do dicionário, levando-nos a questionar de onde teriam vindo.

Analisando os vocábulos do DPD recorrentes no DRAE dentro de nosso recorte, percebemos que há uma certa coincidência nos enunciados definidores do DRAE e os que aparecem entre aspas simples no DPD, levando-nos a acreditar que elas tem sua origem naquele dicionário. Esta relação parece-nos ainda mais intrincada visto que as instituições que publicam estes dicionários não sentem necessidade de explicitar em suas páginas que as definições que aparecem no DPD teriam sido extraídas do DRAE.

Ilustramos tal fato com uma ocorrência do DPD e mostramos em seguida o mesmo vocábulo do modo no qual aparece no DRAE. Neste caso, percebe-se que o verbete do DPD refere-se à segunda acepção de «lapso» no DRAE e que também coincide com o que o DPD define entre aspas simples como «lapsus»:

DPD DRAE22
lapso. ‘Tiempo entre dos límites’: «El
brevísimo lapso que duró la tensión se le
hizo interminable»
(Delibes Madera [Esp.
1987]). Es frecuente y admisible el uso de la
locución redundante
lapso de tiempo: «Los
patos actualizan su instinto de seguir a la
madre en un lapso de tiempo muy corto»
(Pinillos Psicología [Esp. 1975]). Aunque
tiene el mismo origen que
lapsus
(‘equivocación’; apsus), conviene no
confundir ambas palabras en el uso actual.
lapso1, sa.
(Del lat. lapsus, part. pas. de labi,
deslizarse, caer).
1. adj. desus. Que ha caído en un delito
o error.
lapso2.
(Del lat. lapsus, deslizamiento, caída).
1. m. Paso o transcurso.
2. m. Tiempo entre dos límites.
3. m. Caída en una culpa o error.
~ de tiempo.
1.
m. lapso (tiempo).
lapsus.
(Del lat. lapsus, resbalón).
1. m. Falta o equivocación cometida por
descuido.

Um terceiro aspecto irrompe ao analisarmos verbetes que aparecem tanto no DRAE 22ª edição quanto no DPD, mas com divergências, apesar dos dois dicionários declararem-se normativos. Encontramos alguns casos nos quais a 23ª edição do DRAE prevê uma alteração no verbete seguindo o que o DPD recomendou, modificando o verbete do DRAE 22ª edição.

Pode-se observar este fenômeno ao acessar a página eletrônica da RAE e consultar algum vocábulo no DRAE 22ª edição. Os vocábulos que sofrerão modificações na próxima edição possuem um retângulo vermelho à direita designado «artículo enmendado». Ao clicar aí, o leitor é conduzido a uma nova página, com um layout diferente do da versão atual, mostrando no plano de fundo, com letras em cinza claro e na diagonal, os dizeres «redacción propuesta», dando a entender que esta pode ainda não ser a versão final que aparecerá no dicionário impresso.

Além de alterações, poderá haver a supressão de vocábulos, nos quais a página mostrada traz os dizeres ―artículo propuesto para ser suprimidoe o plano de fundo agora traz «Propuesta de supresión», ou ainda, se o vocábulo está previsto para figurar no DRAE 23ª edição mas não ocorria na nomenclatura do DRAE 22ª edição, a página traz acima do verbete «artículo nuevo», contendo os dizeres «redacción propuesta» com letras em cinza claro e na diagonal. Todos os verbetes com modificações têm em sua página o enunciado «avance a la vigésima tercera edición». O próprio uso da palavra «avance» já nos chama a atenção como uma antecipação de melhoria na nova edição do dicionário.

Mostraremos agora uma ocorrência de cada um dos três casos acima
citados, tendo como «artículo enmendado» o vocábulo «linier»; como «artículo
propuesto para ser suprimido», «look»; e como «artículo nuevo», «lutier».
Começamos pelo vocábulo «linier»:

DPD DRAE22 DRAE23
linier. Voz tomada probablemente del catalán, que se usa en España, en algunos deportes como el fútbol, para designar al árbitro auxiliar que tiene bajo su control una línea del campo. Es común en cuanto al género (género2, 1a y 3g): el/la linier. Su plural es linieres (plural, 1g). Hoy es más frecuente el uso de la locución juez de línea, que resulta preferible por estar generalizada en todo el mundo hispánico: «El juez de línea estaba con el banderín listo» (Gamboa Páginas [Col. 1998]). En México se dice también abanderado y, en Chile, guardalínea. linier .
(Del ingl. linier).
1. m. Dep. juez de
línea.
Artículo enmendado.
Avance de la vigésima
tercera edición

 

linier.

(Del cat. linier, y este
adapt. del ingl.
linesman).

1. m. Dep. juez de línea.

Neste caso, a única mudança no verbete do DRAE 22ª edição para o DRAE 23ª edição está na etimologia, antes considerada palavra advinda do inglês e, na nova edição, como oriunda do catalão, sendo que o vocábulo em catalão teria vindo do inglês «linesman», o que é descrito nos enunciados do DPD. Realmente, parecenos uma etimologia mais apropriada, pois em inglês «linier» não tem o sentido de «juez de línea» do futebol. O DPD ainda destaca que o uso da locução «juez de línea» é o vocábulo preferível, o que já se podia notar no DRAE 22ª edição e seguirá no DRAE 23ª edição. Podemos afirmar que no DRAE a expressão «juez de línea» também é a preferida, pois aparece em «linier» sem sua definição e somente quando o consulente clica em «juez de línea» é direcionado para a definição completa. Isto é corroborado pelo paratexto da versão online do Diccionario de la Lengua Española (DRAE), no qual temos «Advertencias para el uso de este diccionario», item «Manejo del diccionario», subitem «Variantes Preferidas»:

Cuando las variantes admitidas no pueden figurar en un mismo artículo por exigencias del orden alfabético, la preferida por la Academia es la que lleva la definición directa; las aceptadas, pero no preferidas, se definen mediante remisión (v.§ 6.2.2) a aquella.

Podemos perceber então que «linier» continua aceita, mas não é a variante preferida. O DPD oferece outras duas opções com o mesmo sentido de «juez de línea»: a primeira, colocada como usada no México, «abanderado», que no DRAE 22ª edição ocorre, mas não com este sentido, e no Chile «guardalínea», que não está DRAE 22ª edição. Nenhum dos dois vocábulos está previsto para ser acrescentado ao DRAE 23ª edição, até agora.

O vocábulo que trazemos e que será «suprimido» é «look»:

DPD DRAE22
look Voz inglesa que se usa
ocasionalmente en español con el sentido de ‘imagen o aspecto de las personas o, menos frecuentemente, de las cosas’. Es anglicismo innecesario, que debe sustituirse por las voces españolas 
imagen o aspecto: «¿Para lograr tu nueva imagen usaste silicona?» (NHerald [EE. UU.] 7.2.97).
Artículo propuesto para ser suprimido.
Avance de la vigésima tercera edición
look.
(Voz ingl.).
1. m. Imagen o aspecto de las personas o de las cosas, especialmente si responde a un propósito de distinción.

No verbete do DPD há um verbo deôntico de obrigação, «debe sustituirse», indicando uma recusa explícita do uso do vocábulo em inglês, dando as opções de uso em espanhol e acrescentando um exemplo a fim de legitimar este uso, marcando uma tentativa de «convencer» o leitor a deixar de usar o vocábulo em inglês. Assim, no DRAE23 vemos que «look» deixará de existir, o que indica que o DPD estaria trabalhando a favor da regulação do vocábulo e que prefere um vocábulo em espanhol que um em inglês, mesmo que este tenha um uso disseminado, já que o encontramos em muitas páginas da internet que estão no idioma espanhol. Ou seja: é uma supressão que, neste caso, não se justificaria pela falta de uso.
O último caso que veremos neste recorte é «lutier»:

DPD DRAE
luthier.lutier.
lutier. Adaptación gráfica propuesta para la voz francesa luthier, ‘artesano que construye instrumentos musicales de cuerda’: «En el apartado de libros ilustrados destaca El lutier de Venecia» (Abc [Esp.] 24.5.89). Su plural es lutieres (plural, 1g). Debido a su extensión, se admite el uso del galicismo adaptado, aunque no hay que olvidar el término tradicional español violero, que tiene este mismo significado: «Algunas veces parece que los únicos grandes violeros fueron los Amati, Stradivarius y Guarnerius» (Mundo [Esp.] 11.2.94).
La palabra luthier no está registrada en
el Diccionario. La que se muestra a
continuación tiene formas con una
escritura cercana.

1) lutier.

Artículo nuevo.

Avance de la vigésima tercera edición
lutier.

1. m. Persona que construye o repara
instrumentos musicales de cuerda.

Este caso é bastante interessante por tratar-se justamente de um vocábulo que não constava no DRAE 22ª edição e passará a fazê-lo no DRAE 23 ª edição. Consultando no DPD o vocábulo em sua grafia original «luthier», o leitor é remetido à sua adaptação à língua espanhola, o que já marca a forma preferida pelo dicionário. É um caso de galicismo «admitido», mas também aqui há a opção do termo «tradicional» em espanhol, determinação que confere legitimidade e demonstra a longevidade do uso do vocábulo em espanhol. O termo em francês «luthier» não se encontra no DRAE, mas sua adaptação «lutier» está registrada para ser incluída no DRAE 23ª edição. O que mais chama a atenção neste caso é a falta da informação etimológica, apagando totalmente a origem da palavra, registrandoa como um vocábulo novo da língua espanhola.

Todos os movimentos mostrados aqui nos levam a pensar no papel do DPD, e assim recorremos ao seu paratexto, item «Qué es el Diccionario Panhispánico de Dudas», subitem «Carácter Normativo» para entender melhor sua função:

El Diccionario panhispánico de dudas es un diccionario normativo en la medida en que sus juicios y recomendaciones están basados en la norma que regula hoy el uso correcto de la lengua española.

La norma no es sino el conjunto de preferencias lingüísticas vigentes en la comunidad de hablantes, adoptadas por consenso implícito entre sus miembros y convertidas en modelos de buen uso. (DPD: XIII)

Nesta formulação, o dicionário coloca-se como normativo, mas logo em seguida afirma que a «norma» é «el conjunto de preferencias […] en la comunidad de hablantes» e não algo que viria da instituição. Sendo assim, esperaríamos que um «artículo propuesto para ser suprimido» fosse um vocábulo não mais usado pela comunidade, e um «artículo nuevo» fosse já usado em certa medida.

Segundo Nunes (2002, 2003, 2006), cuja pesquisa inscreve-se na lexicografia discursiva e que estuda os dicionários em língua portuguesa, «podemos considerar o dicionário como um espaço de memória discursiva. A elaboração de um dicionário consiste em um trabalho sobre o já-dito, um trabalho de seleção, reformulação, retomada, ruptura etc» (NUNES, 2006:24). Consideramos que o autor refere-se não somente a dicionários da língua portuguesa, pois o papel de «espaço de memória discursiva» coloca-se a nosso ver em todos os dicionários.

Sendo assim, por estar selecionando os vocábulos que serão mantidos mas modificados, eliminados e incluídos no DRAE 23 ª edição, o DPD estaria em um papel não somente de solucionador de dúvidas, mas de trabalhar essa memória discursiva, desde uma posição na qual a instituição toma para si o lugar de reguladora da língua e leva o DPD junto para esta posição de regulador da língua em um espaço maior que o seu, que seria o DRAE 23ª edição, mostrando seu papel de destaque entre as obras publicadas pela RAE e ASALE.

 

Libro de actas. 2 Congreso Internacional de Profesores de Lenguas Oficiales del MERCOSUR (CIPLOM)

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