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PAPI: Uma experiência de Letramento Acadêmico em ies Privada no Brasil

Lucia Helena Abreu Eletério, Marcia Lisbôa Costa de Oliveira, Marcos Vinicius Mendonça Andrade.

Universidade Estácio de Sá

Resumo

Neste trabalho apresentaremos os pressupostos e as estratégias adotadas nas práticas de ensino de Língua Portuguesa desenvolvidas nas oficinas de nivelamento do Projeto de Apoio Pedagógico ao Ingressante (PAPI), implantado pela Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro. O programa das oficinas do PAPI baseou-se nos quatro pilares da educação definidos por Jacques Delors, articulando-os ao conceito de letramento acadêmico e ao desenvolvimento de três competências explicitadas na matriz do Exame Nacional do Ensino Médio: dominar linguagens, enfrentar situações-problema e construir argumentação.

Palavras-chave: pilares da educação; letramento acadêmico; metodologia; Língua Portuguesa.

1. Introdução

No cenário atual, constata-se que os alunos brasileiros chegam à universidade com sérias dificuldades no que concerne às expectativas de aprendizagem para esse nível de ensino. Assim, o desafio das instituições privadas de ensino superior no Brasil revela-se muito maior do que simplesmente oferecer um currículo de qualidade, pois tem se mostrado necessário suprir carências geradas pelo precário domínio de conhecimentos básicos.

Diante dessa constatação, o objetivo do Projeto de Apoio Acadêmico ao Ingressante (PAPI), implantado desde o segundo semestre de 2012 pela Universidade Estácio de Sá (UNESA), é proporcionar um apoio contínuo aos alunos ingressantes que demonstrem dificuldades, oferecendo-lhes orientação acadêmica, aconselhamento individual e apoio pedagógico nas áreas de Língua Portuguesa e Matemática, com a oferta de oficinas de estudos nessas duas áreas. O que se pretende é garantir a permanência qualitativa desses alunos nos cursos, diminuindo os altos índices de evasão constatados, que, muitas vezes, estão relacionados às dificuldades acima apontadas.

No primeiro semestre de 2013, o PAPI está implantado em dez unidades da UNESA, cada uma das quais conta com uma equipe composta por um Supervisor de Apoio Pedagógico e dois professores, cada qual responsável por uma oficina (Língua Portuguesa e Matemática).

O Supervisor de Apoio Pedagógico (SAP) atua junto às coordenações locais dos cursos e aos professores que lecionam nos dois primeiros períodos, com o objetivo de acompanhar o desempenho dos alunos de forma integrada. Uma vez constatado algum tipo de dificuldade, o SAP faz contato com o aluno e realiza uma entrevista inicial para registrar as causas do absenteísmo e/ou do baixo rendimento e, se for o caso, encaminha o aos setores da instituição mais indicados para ajudá- lo. Quando o SAP avalia que o problema é pedagógico, o aluno é encaminhado às oficinas de Língua Portuguesa e Matemática.

2. Compreendendo o aluno

Para definir as estratégias de ação do PAPI, inicialmente realizamos um esforço para entender o que se passa com o aluno que ingressa em um curso superior, em uma universidade particular, na realidade de uma região metropolitana como o Rio de Janeiro. A seguir, apresentaremos nossas reflexões.

O jovem de hoje vive em um mundo de rápidas mudanças, cujas inovações ele precisa acompanhar. No seu local de trabalho deve realizar muitas atividades ao mesmo tempo. Sua mente, porém, está repleta de imagens, de grupos de música, das notícias do dia, da vida dos amigos. Para ficar “por dentro” carrega os seus aparelhos eletrônicos: celular, fone de ouvido, laptop, notebook etc. Vive nas redes sociais e gosta da comunicação instantânea. Além disso, a maioria de nossos alunos já ocupa uma posição no mercado de trabalho e estuda no período da noite. Chega cansado e esgotado por permanecer em um trânsito caótico.

Esse trabalhador que estuda deve ainda se dividir entre as obrigações familiares, quando possui um relacionamento estável, e as obrigações próprias da sua atividade profissional. Essa questão não é simples, pois a universidade tem como função oferecer ao aluno o conteúdo historicamente construído e acumulado, que lhe permitirá dominar uma área do saber e exercer uma profissão de forma a dar a sua contribuição para o desenvolvimento do país – e isso exige tempo.

Em suma, o ingresso do aluno em uma universidade, independente de sua idade ou grupo social, coloca-o diante de desafios de natureza mais complexa, porque existe uma lógica diferente no espaço de um curso universitário.

Na universidade, o aluno não aprende somente conteúdos, mas constrói seu futuro profissional; por isso, terá que decidir com autonomia quais são os seus objetivos e metas, mas também quais disciplinas serão mais favoráveis ao desenvolvimento de seus talentos. Tais decisões definirão se alcançará sucesso e conseguirá realizar os seus desejos e sonhos ou se desistirá do sonho. Cabe indagar, então, o que a universidade poderia fazer para garantir a permanência qualitativa de todos os ingressantes.

O primeiro aspecto a discutir diz respeito ao baixo desempenho acadêmico de uma parcela dos alunos que ingressam nos cursos superiores de instituições privadas de ensino superior no Brasil. Isso ocorre pela particularidade do sistema privado de ensino superior, em grande parte autofinanciado, que tende a adotar critérios de seleção menos exigentes. Um reflexo dessa política de ingresso é o baixo desempenho dos alunos, que não é revelado apenas por seu fracasso diante das provas e tarefas propostas pelos professores das diferentes disciplinas. Os professores se queixam principalmente da dificuldade que o aluno tem em compreender um texto que discorra sobre temas complexos e ainda os conceitos e relações estabelecidas de caráter mais abstrato, técnico e científico.

Uma solução seria oferecer ao aluno ingressante a oportunidade de construir e desenvolver, embora tardiamente, as suas capacidades de análise crítica e despertar nele a curiosidade e o espírito investigativo que o levem a desejar aprofundar os conteúdos e a recompor a sua própria aprendizagem.

Poderíamos argumentar que este não é o papel destinado à universidade e que o aluno deveria realizar um esforço pessoal na busca da superação dos desafios que o nível superior lhe apresenta. No entanto, o que nos preocupa é que se a universidade se fechar a este problema, sob o argumento que o correto é oferecer uma educação básica de qualidade para que o aluno possa prosseguir para o ensino superior, ela se omitirá e fechará suas portas aos que fogem dos seus padrões acadêmicos.

Caso se deseje implantar um projeto de sociedade democrática em que todos têm direito à educação, esse argumento resulta na exclusão dos que já nasceram excluídos dos benefícios próprios a uma sociedade tecnologicamente equipada e integrada planetariamente. A nossa conclusão diante do problema que enfrentamos na instituição em que atuamos foi propor um projeto que proporcionasse apoio contínuo aos ingressantes nos diferentes cursos, oferecendo- lhes orientação acadêmica e pedagógica. Nessa perspectiva, o PAPI configura-se como uma estratégia de ação afirmativa e de inclusão social desenvolvida pela UNESA.

3. Pressupostos pedagógicos: os quatro pilares da educação para o século XXI

Percebemos que o aluno, para se tornar um profissional completo, necessita de uma visão mais ampla do mundo atual e, para isso, não basta dominar os conteúdos abordados pelos professores, já que devem usar todos esses saberes de forma coerente na solução das situações que irá vivenciar no cotidiano de uma atividade produtiva. Decidimos, então, que o nosso trabalho deveria se pautar nas indicações contidas no relatório da UNESCO, coordenado por Jacques Delors (2010), que aponta os quatro saberes necessários à vida no século XXI: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver com os outros e aprender a ser. Entendemos que aprender a conhecer significa “adquirir os instrumentos da compreensão” desenvolvendo o sentido do mundo moderno, da complexidade que envolve saber lidar com a tecnologia, com a rapidez das mudanças e, principalmente, situar-se na sociedade, sem se limitar a ela, porque a globalização derrubou os limites e as fronteiras existentes entre regiões e países. O sujeito contemporâneo deve também aprender a conhecer as suas capacidades e a superar as suas limitações. Por tudo isso, a comunicação com o outro é da maior importância. No relatório destaca-se a necessidade de oferecer uma ampla formação cultural para que o aluno entenda as principais questões do mundo em que vivemos e quais obstáculos devemos ultrapassar, enquanto seres de um planeta com recursos finitos e limitados. As grandes questões da humanidade não devem ficar desconhecidas, pois:

o aumento dos saberes que permite compreender melhor o ambiente sob os seus diversos aspectos, favorece o despertar da curiosidade intelectual, estimula o sentido crítico e permite compreender o real, mediante a aquisição de autonomia na capacidade de discernir (DELORS, 2001:91).

O aluno deve aprender a aprender. Deve exercitar a atenção, a memória e o pensamento. O aluno deve ser incentivado a prestar atenção aos detalhes, às sutilezas de cada conceito; deve ser incentivado a realizar o seu próprio processo de descoberta, que não necessita ser instantâneo ou imediato. Deve ser capaz de construir as suas próprias formas de análise, de desenvolver a memória associativa de maneira que os conteúdos vão formando um mosaico individual e próprio que lhe permita ser um profissional com um perfil único. No projeto realizamos uma tentativa de oferecer, ao aluno com dificuldade de aprender e baixo rendimento acadêmico, as oficinas que possibilitassem a ele, através da retomada de conteúdos considerados básicos ao seu entendimento, compreender melhor as matérias e ser capaz de superar as próprias dificuldades.

Aprender a fazer significa um esforço no sentido de desenvolver no aluno a sua capacidade de “por em prática os seus conhecimentos e, também, como adaptar a educação ao trabalho futuro quando não se pode prever qual será a sua evolução” (DELORS, 2001:93). Para tanto é preciso criar no aluno um referencial teórico que lhe permita enfrentar os desafios de uma profissão que está evoluindo no mundo do trabalho, distanciado de seu local de formação. Como ele poderá estar capacitado para o que ainda não se formou?

Um item apontado no relatório e com o qual concordamos plenamente diz respeito ao fato de que, no mundo do trabalho, nas sociedades industrializadas, estamos caminhando progressivamente para atividades de produção mais intelectuais, mais abstratas e complexas, exigindo o manuseio de uma tecnologia sofisticada e em constante mudança. As inovações não permitem a acomodação e reprodução automática das tarefas. A cada momento surgem novos implementos que tornam obsoleto o conhecimento anterior.

Esse aspecto provocou uma mudança no sentido da valorização do trabalho em equipe, na execução de projetos que variam de acordo com as necessidades que vão surgindo. São valorizadas a participação e o compromisso pessoal de cada componente. Como despertar esses sentimentos em nossos alunos? Podemos destacar o valor dessas características para o sucesso, mas não podemos impor que ele mude as suas atitudes quando não consegue se integrar na turma e não consegue fazer os trabalhos em grupo. Por esse fato o projeto PAPI prevê também a orientação da vida acadêmica do aluno. O fato de não termos garantia de sermos bem sucedidos não nos impede de tentar.

Aprender a viver juntos talvez seja o nosso maior desafio. No ensino superior, as condições estruturais dos cursos não são agregadoras, já que no sistema de créditos não se forma uma turma que caminhe unida por quatro ou cinco anos. Some-se a isso o fato de que na universidade não existem muitas oportunidades de encontros, ou locais para a troca de idéias, pois nas bibliotecas exige-se o silêncio total, os pátios são usados por várias turmas ao mesmo tempo e o alvoroço das falas cruzadas não favorece o debate de temas ou mesmo a troca de opiniões.

É difícil, nesse contexto, construir-se uma rede de entendimentos mútuos que possa fluir para uma amizade sólida entre dois ou mais alunos. Dessa forma, embora as parcerias possam acontecer positivamente ao longo do curso, observamos que no ambiente universitário predomina o desejo do sucesso individual e de superação do outro. O trabalho de grupo é incentivado, porém, como os alunos exercem várias funções e possuem responsabilidades fora do espaço universitário, não têm tempo disponível para a reunião além do horário reservado aos estudos.

O quarto pilar enunciado por Delors é aprender a ser. Desde o primeiro relatório da ONU sobre a educação (1972), discute-se a necessidade de se colocar um olhar atento sobre o processo de desumanização do homem que pode brotar do emprego extensivo da tecnologia e sobre a possibilidade do homem se ver substituído pela máquina. Isso porque os métodos de trabalho empregados hoje pressupõem que o mesmo funcionário possa exercer múltiplas tarefas e esteja aberto a aprender novas técnicas para acompanhar as mudanças em seu setor de trabalho. Inúmeras competências vão ser requeridas de modo que, com o passar dos anos, o homem consiga manter a sua empregabilidade. As principais características requeridas no processo de admissão são: flexibilidade, ética, compromisso pessoal com a empresa, dedicação e zelo nas tarefas que lhe são afetas.

A educação no Brasil, de acordo com a Constituição Federal (1988), deve contribuir para o desenvolvimento pleno da pessoa, o exercício da cidadania e o preparo para o trabalho. Então, cabe também à universidade, perseguir essa meta. O movimento de aprender a ser não se inicia no ensino superior, pois na infância e na juventude o aluno construiu o seu repertório de valores, mas podemos levá-lo a refletir sobre os seus posicionamentos, estimulando-o a rever os seus (pré) conceitos e estabelecer uma nova escala de valores.

Precisamos, para isso, ampliar a sua capacidade de percepção do outro e de suas necessidades e carências, das diferenças existentes entre sexos, raças, culturas, temperamentos, de forma a se criar um cenário menos violento e mais repleto de ações cooperativas e solidárias. Não se trata de uma tarefa fácil.

Como o aluno prepara-se para um futuro que ainda não se concretizou, deve ser capaz de lidar com situações novas, adotando reações apropriadas e positivas, não só no plano individual como no coletivo. O mundo em mudança lhe exigirá também imaginação e da criatividade para ultrapassar os obstáculos em seu meio profissional. O relatório nos alerta para a constatação de que o mundo irá necessitar dessa diversidade, da criatividade do ser humano, da sua capacidade inventiva para permanecermos como raça no planeta:

Convém, pois, oferecer às crianças e aos jovens todas as ocasiões possíveis de descoberta e de experimentação: estética, artística, desportiva, científica, cultural e social, que venha a completar a apresentação atraente daquilo que, nestes domínios, foram capazes de criar as gerações que os precederam ou suas contemporâneas (DELORS, 2010:95).

Essas ponderações encontradas no relatório da UNESCO definiram o foco do projeto e as linhas de ação que deveriam ser deslanchadas no sentido de centrar em três competências consideradas básicas para a melhoria do desempenho acadêmico do aluno, conforme discutiremos a seguir.

4. O letramento acadêmico nas oficinas de Língua Portuguesa do PAPI

As oficinas de Língua Portuguesa desenvolvidas no projeto PAPI têm como meta o desenvolvimento da lectoescrita, considerando-se que, embora os alunos ingressantes na universidade sejam sujeitos letrados, estes não apresentam as competências de leitura e de escrita exigidas no ensino superior, as quais são próprias à cultura universitária (CASANOVA e SOZZI, 2013).

Paula Carlino (2005) afirma que a alfabetização acadêmica, que para ela corresponde ao que no Brasil tratamos como letramento acadêmico, deve ser desenvolvida em cada disciplina, pois cada campo do conhecimento desenvolve modos próprios de organização discursiva e, dessa forma, diferentes disciplinas constituem modos de ler e de escrever particulares. Concordamos com esse postulado, mas acreditamos que há um processo de letramento mais básico, o qual envolve a competência metagenérica

[…] se, por um lado, […] orienta a produção de nossas práticas comunicativas, por outro lado, é essa mesma competência que orienta a nossa compreensão sobre os gêneros textuais efetivamente produzidos (KOCH e ELIAS, 2006:103).

Nessa perspectiva, julgamos necessário desenvolver propostas de letramento acadêmico para estimular a leitura e a produção dos gêneros textuais que têm circulação privilegiada no espaço universitário, tais como verbetes enciclopédicos e de dicionários especializados, artigos de divulgação científica, ensaios, resenhas e monografias, entre outros. Com esse objetivo, o programa das oficinas foi organizado em três módulos, cada qual com duração prevista de três encontros. O primeiro módulo focaliza estratégias de leitura e o segundo discute práticas de produção de textos, sempre privilegiando os gêneros mais presentes no cotidiano da universidade. Já o terceiro módulo aborda os usos formais da língua escrita, buscando retomar a metalinguagem gramatical numa perspectiva epilinguística e contextualizada.

Em cada unidade de trabalho, escolhemos um tema relacionado aos quatro pilares e procuramos assuntos que pudessem atender às expectativas do grupo heterogêneo de alunos, que reúne não só indivíduos com diferentes níveis de letramento acadêmico, mas também interesses divergentes em função das várias faixas etárias e dos diferentes cursos que se mesclam nas oficinas. Organizamos coletâneas que possibilitam liberdade aos professores que atuam nos dez campi em que o projeto está implantado, de tal forma que cada um possa organizar o tempo de trabalho da forma que melhor lhe convier, atendendo às necessidades de seu grupo de alunos.

Extraímos da Matriz do Exame Nacional do Ensino Médio (BRASIL: 2012) três competências que nos parecem fundamentais, pois nos permitem entrelaçar esses conteúdos conceituais aos atitudinais e organizar um programa de trabalho para as oficinas: dominar linguagens, enfrentar situações-problema e construir argumentação. Essas competências são trabalhadas também nas oficinas de Matemática, com a esperança que o aluno desenvolva a sua capacidade de raciocínio e crítica e aprimore a sua autonomia de estudo e reflexão.

Consideramos que o domínio das linguagens é fundamental para a concretização dos quatro pilares definidos por Delors, já que é a linguagem que nos permite conhecer e pensar o mundo, compreender quem somos, encontrar os outros e agir sobre o que nos cerca. Seu domínio, portanto, está diretamente relacionado à competência argumentativa e é uma ferramenta importante para lidar com as situações-problema com os quais vai se deparar ao longo de sua vida acadêmica e profissional.

Libro de actas. 2 Congreso Internacional de Profesores de Lenguas Oficiales del MERCOSUR (CIPLOM)

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